sábado, julho 31, 2010

Veritas

"Na verdade 'nada' é uma palavra esperando tradução.

Toda vez que falta luz,
Toda vez que algo nos falta
O invisível nos salta aos olhos,
É um salto no escuro da piscina.

O fogo ilumina muito por muito pouco tempo
Em muito pouco tempo, o fogo apaga tudo.
E tudo um dia vira luz." *



Hoje, ninguém pode explicar o que sinto com a "música da minha vida" (tema dos posts da semana). Ninguém exceto ELE, claro:

"…Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. Todos estes meios tons da consciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, em eterno sol-pôr do que somos...Há mágoas íntimas que não sabemos distinguir, por o que contêm de sutil e de infiltrado, se são da alma ou do corpo..."

"Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento.
Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar."
Bernardo Soares - O livro do desassossego

"Mas toda vez que falta luz
O invisível nos salta aos olhos."*



* Piano bar - Engenheiros do Hawaii

Lisiane Pohlmann
@lisianepohlmann

sexta-feira, julho 30, 2010

Da minha prosa



Descompasso


É o que pulsa o meu sangue quente

É o que faz meu animal ser gente

É o meu compasso mais civilizado e controlado




Estou deixando o ar me respirar

Bebendo água pra lubrificar

Mirando a mente em algo producente

Meu alvo é a paz!



Vou carregar de tudo vida afora

Marcas de amor, de luto e espora

Deixo alegria e dor ao ir embora




Amo a vida a cada segundo

Pois para viver eu transformei meu mundo

Abro feliz o peito, é meu direito!


[Angela Rô Rô]








Preciso dizer mais?



Por Tãmara Lopes

quinta-feira, julho 29, 2010

Amar,este verbo Intransitivo

(Promenade,de Chagall)
        
                                                                               " Eu encontrei-a quando não quis
mais procurar o meu amor

e o quanto levou foi pra eu merecer

antes um mês e eu já não sei

e até quem me vê lendo jornal

na fila do pão sabe que eu te encontrei"

(Los hermanos)

Acontece.
a gente abre um livro -de um poeta desconhecido- e lê o poema e vira a poesia da tua vida.

dizem alguns que é química ou necessidade e que caso se esforçe ,consegue;dependendo de como se aprenda a enxergar a essência do outro ou de como virar um assíduo critico literário,pode-se enxergar a “beleza” dos versos.

mas comigo,muitas vezes,acontece.Puf! antes de enxergar já foi.

estalar de dedos,olhar de esguelha,batidas do coração acelera.A maldita taquicardia.

pode ser na fila do pão ou quando a vê entrando na sala de seu trabalho estupefata pedindo informações que não queira dar ,até olhá-la.

e ninguém dirá que é tarde demais,meu amigo(a),porque já é tarde e o crepúsculo surge e em minutos, as estrelas e a sensação de que tudo aquilo que está a sentir pode ser recíproco e é aquela...sensação.

clichê?sim,muito clichê,tanto risível,ridículo,aquele olhar abobalhado de quem o mundo tanto inveja.

alguns resistem,não os chamaria de covardes,apenas precavidos que merecem de imediato o túmulo;outros se atiram como suicidas;bem, tanto faz,alimento para alma resistir à dor futura.

e pode aparecer garota,porque,como na bela canção dos los Hermanos,eu pego carona

pra te acompanhar.

Para ler e ouvir a letra "Ultimo romance"

Raphael Marques

terça-feira, julho 27, 2010

Uma paisagem para Dois

"E pelo visto, vou te inserir na minha paisagem
e você vai me ensinar as suas verdades
e se pensar, a gente já queria tudo isso desde o
inicio".
 Tiê



A canção "Dois" da Tiê (talentosíssimaaa) é bem o que eu penso sobre o amor.
Aquele belo dia em que você encontra um estranho e percebe que o quer por perto, o inserir na sua paisagem que a cada dia ganha novos tons, sabores e nunces.


Deleitem-se com a voz de riacho tranquilo da passarinha Tiê.

Por Lini Ribeiro

D'as lembranças



“Tudo viver a teu lado

Com o arco da promessa

Do azul pintado pra durar...”


(Amor de Índio, Beto Guedes)






Saímos para andar na praia e nos perdemos em meio à beleza do lugar, cantamos juntos uma canção antiga que falava de esperança e conseguia retratar em verso e prosa a felicidade da paz interior. Uma música densa, com letra comprida e cheia de frases bonitas, que remetia a abraços, chegadas e cultuava a necessidade sobrenatural de amar e ser amado. Percebi ali que vivenciávamos um momento de extrema comunhão de almas tão puras e limpas quanto à água do mar que batia rebelde nas pedras e explodia respingando em nossos corpos morenos seminus. Agradeci, emocionado, àquela força superior que nos regia e nos iluminava fortemente. Apontei ao céu a fim de indicar ali um momento de rara calma e inspiração, fazendo promessas absurdas ao invisível na tentativa de sacramentar aquela sensação maravilhosa. Sim, todo amor é sagrado.




Por Júnior Creed
@juniorcreed

segunda-feira, julho 26, 2010

Olha lá.

por vezes, é preciso parar, nem que seja por 10 segundos. acertar o passo e correr 'atrás do que está atrás do pensamento'. somente. e cabendo o infinito entre o nós dos dedos.
...
e isso acontece quando ele cansa, cisma, afasta-se de casos e acasos complicados, da comédia sem fim que são as contradições humanas.
-
não que ele desista, entende?! nem que se chateie gratuitamente.
-
só não é tão simpático quanto aparentou um dia, tampouco o mais sozinho dos seres, ora. tem lá seus poucos e bons amigos, sem nunca antes ter-se esforçado para conquistar o afeto alheio.
=
e fica bem depois. entre a tenuidade e a plenitude da felicidade. meio surreal até. quase cartesianamente impossível, quem sabe?! sereno.

quão patético é isso, não?!
acham-no idiota.
e talvez seja essa a razão porque não teme ninguém.

abraço.
--------------

sexta-feira, julho 23, 2010

Noite de Nossas Vígilias



Imagem: DevianArt



O bom seria saber dizer todas as coisas. Como se faz nos livros e nos filmes. Script cheio de palavras certas e todas claras na hora exata. Eu queria saber dizer todas as coisas bonitas que vejo por ai. Que troco o dia pela noite. Que observo o mundo por trás de uns óculos escuros pra enganar a mulher enxerida que sou diante dos fatos. Que ouço Debussy, vou ao supermercado, academia, penso num namorado que ainda não conheço e escrevo invencionices porque em mim ainda há altas doses de lirismo e ficcionismo que me fazem reinventar um mundo ou fugir de tudo pra sempre. E eu devia ser mantida em cativeiro por pensar em sexo mais do que devia e por falar de amor até ás três da manhã. Se eu soubesse como dizer, hoje eu falaria de tudo. Sem medo. Sabe aquelas coisas que se fala antes de morrer? E passaria o dia á Deus dará, sem pensar em nada só pra pensar em você. Passaria o dia pensando em nossas imagens no espelho e pensaria também na gente pelas ruas, de mãos dadas, ou fazendo tudo com capricho pra nunca fazer o outro sofrer. Por muito tempo, tanto que já perdi a conta, fui sozinha imperando meus estados. Fui aquela coisa caótica de pós-modernista, cobiçada em sala de aula, bajulada por nobres poetas que deixavam versos em qualquer ponta de esquina e odiada pelas mulheres em banheiro feminino. Até você chegar, com a violência causada do querer. Parece que falta ar. Parece até o fim do mundo esse seu querer desesperado que grita quase num lamento ou prece sussurrada em lábios que come beijo. Parece mesmo que me perdi e só me encontro quando você chega, come, bebe, investiga as fechaduras e me lambe as coxas pra rir da minha cara sem vergonha depois. É veja como eu fico. O amor é mesmo uma coisa de doido. Tiro minha calcinha e fico ali anestesiada esperando calada para dar tempo de você alcançar meu ritmo e, quando percebemos, somos dois sendo nada e sendo tudo. E que inveja sentem nossos vizinhos quando o mundo dorme e nos cobiçamos. O mundo dorme e meus gemidos é a orquestra da nossa casa. Toda madrugada ainda é pouco, não sacia e come mais que a fome de nossas vigílias.


Por Tâmara Lopes

quinta-feira, julho 22, 2010

A fácil arte em amar!


"Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?"(Fernando Pessoa)
                                                    


Taquicardia.
um vago olhar frontal ao teu rosto.Um sorriso leve,do canto da minha boca.
Quanto disfarce na indiferença!
Poros dilatam-se,mãos transpiram,mas bem escondidas nos bolsos das minhas calças...e o coração a mil por hora.Tututuutututuututu..(não é tu..tu...tu...zzz...zzz...tu..tu...)
Você me faz sentir febre,e de longe bem ao fim do horizonte,onde não possa me enxergar,pulo e espumo, feliz como um idiota.
Esmurro paredes,o concreto não ganha a minha dor;esta dor,quando a sinto,é porque está ausente ou quando penso,em minhas neuras,que um dia não irei mais vê-la.
Se pudesse andaria com travesseiros e os chamaria de "travesseiros diurnos" e os abraçaria recordando do teu corpo que tanto me delicia ,atenuaria as minhas  ressacas cotidianas.
É,devo estar apaixonado.Falta-me coragem.Ser corajoso tem um preço,não quero que me temas.
Meus disfarces são úteis,você pensa que é só amizade coloridinha e se engana,afinal,quando está comigo banco o bonachão maduro,seguro e nem supõe que escrevo versos à noite,-versos ruins,confesso-ou mesmo a qualquer hora que o ócio vença ou quando sou um vadio,na hora do expediente,finjo escrever minuciosos relatórios,mas sao esses versos que inicio com "amorzinho que sabor teus lábios..."
Sou um ator,com um reconhecido talento,admito;as concisões,os suores,a indiferença,faz-me um tremendo de um fingido ,por vezes,sem sucesso,em algumas ocasiões.
Sabe é auto-preservação,a gente nao sabe lidar com sentimentos com os quais não temos poder e a arte teatral,como bálsamo, surgiu como uma forma artistica de o homem suportar a si através de outros.
Claro que há horas que vem a natureza,aquele "eu" corrosivo e verdadeiro ,que me toma e manda para longe o meu protagonista:quando apresento sinais de retardamento mental ou quando minhas idéias,varias delas,se mesclam e fico com dislalia.
Essa metalinguagem mental que,se expressa literariamente,faria inveja a Proust e Joyce é a prova de que todos esses sintomas poderiam,com o tempo,ser atenuados,mas que até chegar este dia  diria que você a mulher da minha vida...!
mas secretamente porque tudo é questão de auto-preservação e eu amo continuar a te amar.


Raphael Marques
@raphamarques

quarta-feira, julho 21, 2010

Faz parte do meu show

"Invento desculpas, provoco uma briga, digo que não estou.
Vivo num clipe sem nexo, um pierrot retrocesso, 
meio bossa nova e rock'n roll.
Faz parte do meu show, meu amor". Cazuza



Vez ou outra eu fujo do amor. Corro o mais que posso, escondo-me em cavernas escuras e úmidas, onde minha respiração mistura-se com o gotejar das águas que escorrem pelas estalactites.
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Permaneço entre as rochas na intenção de petrificar-me tal e qual elas, inclusive solidificar o meu coração.
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Mas do amor ninguém se esconde e por mais que se resista e lute, ele é invencível e incansável.
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Então eu o maltrato, praguejo, amaldiçoo, machuco... é a única forma dele se afastar de mim. Porém ele me conhece e sabe que esta fuga alucinada e tresloucada é puro medo.
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Sabendo disso, o amor se aproxima de mim com um chocolate, me sorri, permanece ao meu lado e faz uma prece para que meu próximo surto demore a chegar dessa vez... 

Por Lini Ribeiro

terça-feira, julho 20, 2010

Carrossel


Ao som de Chicas, Ter que esperar

Seco o solo que não sente o molhar de minhas lágrimas, mas é o tempo, perdido, que roda virando mundo, mundo, mundo carrossel. E em uma dessas voltas, eu me volto para o que considero certo e me agarro, resisto ao que temo. E aguardo, manso, um novo girar... Fecho os olhos na direção de um prisma que ofusca minha visão para me confundir e subo-desço sob o balanço, e o vento bate no meu rosto, o tempo passa, sorrateiro, parecendo me escutar... Quero falar sobre as respostas que colhi como folha seca numa alameda de um outono febril, irregular, com cara de inverno numa manhã de julho. Preciso contar ao tempo: não preciso contá-lo mais.

Por Júnior Creed

segunda-feira, julho 19, 2010

Pode até ser...

Aqui se entristeceu, ali se riu; enfim, nestes cansados pensamentos, passa esta vida vã, que sempre dura.
Camões
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nunca programei escrever nada tanto quanto sequer tive vocação para ser escritor, muito embora alimentasse sonhos de um dia sê-lo para não mais ter de estudar matemática ou por vaidade mesmo... 
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agora cá estou sem saber, exata e sinceramente, o quê mostrar. não bastasse, para complicar o dilema, ser segunda-feira, né?! e já parou pra pensar? até dormir no domingo, para acordar hoje, já dá aquela preguiça, oras!
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é que não suportarmos gratuitamente qualquer idéia de obrigação, por mais que a vida, tão cheia de chavões, tenha nos impelido à ativa todos os dias. a mesma vida, toda prosa e sorridente, que, por volta dos 16, 17 anos, ensina-nos a atravessar as avenidas tão sorrateiramente em busca da liberdade e depois nos apresenta contas homéricas a pagar, para não citar outras pendências a resolver do cotidiano.
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e, então, que fazer com este dia de hoje tão preguiçoso, porém fantasticamente tão desabrochado a pássaros? com o tempo, passamos a entender que uma segunda-feira, por exemplo, pode ser só uma segunda-feira sem aquela necessidade inocente de uma criança perguntar ‘n’ vezes POR QUE a segunda-feira é segunda-feira ou ausente aquela rebeldia tão juvenil de contestar a existência da segunda, achando que, revolucionariamente, vai estender o fds até esse dia e entender, enfim, que uma terça virará a nova segunda-feira. Crescemos e, de algum modo, a vida ainda continua cobrando.
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No mais, que o antes continue sempre abrindo os presentes pro futuro, ainda que nas segundas-feiras da vida, porque o agora, e não mais que isso, parece a única coisa concreta que realmente exista. A menos que vc tenha terminado de ler essa crônica.
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Bom início de semana!
@mateus

domingo, julho 18, 2010

Tempo

Photo by @rickvanpelt


O tempo anda passando rápido.

E eu não descobri ainda se isso é bom ou ruim.
Talvez seja bom, e a dor dos dias seja abreviada. Talvez ruim, por deixarmos as tardes passarem diante do nosso nariz, enquanto pensamos no que fazer depois de amanhã. As noites insones e desesperadas, ou cansadas e tristes. As manhãs, preguiçosamente improdutivas, dadas ao nada, sem nem mesmo serem pensadas.

 
Que a dor seja mesmo abreviada, e que não tenhamos tempo para perder.

 
Por Isa T.



Isa T., estudante baiana, 22 anos, corta o próprio cabelo, escreve sobre sonhos, e esquece, às vezes, que inspiração é só 10%. Combinação perfeita: café e chocolate, porque como ela insiste em dizer sempre (em citações), “sem o amargo, o doce não é tão doce.” Posta no Vanilla sky.

quinta-feira, julho 15, 2010

A Morte Feliz

A morte era um desafio. A morte era uma tentativa de comunicação, porque as pessoas sentem a impossibilidade de atingir o centro que misticamente lhes escapava; o que nos está próximo foge‑nos; o entusiasmo desvanece‑se; fica‑se sozinho. Na morte existe um abraço.Virginia Woolf




Os olhos dela diziam: “acabou, nosso relacionamento morreu”. Os olhos expressam as verdades mais doloridas e é eficaz como instrumento dilacerador das ilusões. Apertou a minha mão, comunicávamo-nos sem palavras, apenas com o olhar  e mesmo perdidos, sem chão, desalentos, sentimo-nos flutuar  e eu a engolir agulhas. Agulhas que ingressavam pela garganta lentamente, uma por uma, sem saliva, na secura da realidade que aproveitava cada pedaço do meu corpo.  Entranhava. Doía, como doía, dor insuportável que  se convertia em lágrimas.

É, acabou... Finalmente acabou a eternidade deveria ser um presente para os apaixonados. Fechava o caixão, jogava terra e olhava ao fundo sendo enterrados cinco anos de uma relação que um dia sonhei nunca acabar e sempre continuar, mesmo após a morte, por sucessivas  reencarnações, via  terminar,com flores,cravos brancos,jogados ao féretro, para serem enterrados como o símbolo da única beleza que restou: as lembranças das sensações que tivera com ela.

Seria a  minha última tentativa, dentre tantas, esta, a do olhar, o epílogo daquele grande sentimento e um inicio sem futuro, sem perspectivas. O semi-Deus aqui se tornava mortal, pois não funcionou algumas vezes a razão floresce para acabar de vez com qualquer sonho, com o auto-engano, anestesia que posterga o sofrimento. 

Não morria somente o relacionamento com aquela mulher maravilhosa que seria mãe de uma ninhada de filhos meus, mas morria a esperança no amor. Não havia outra a quem podia substituí-la, nenhuma mulher estava à altura;nenhuma gostava dos livros que eu lia ou escutava pacientemente para que me prolongassem nas vivências de meus personagens preferidos ou mesmo compartilhasse uma piada que sabia,por conhecê-la,que ela iria sorrir;nenhuma escutaria com afinco The Smiths e entenderia a melancolia das letras dessas canções. 

De falência múltipla, simplesmente aconteceu, sem prévio aviso, morreu porque viveu. Não teríamos mais os sábados de noite juntos, o milk shake de ovomaltine, os filmes da Nouvelle Vague que curtíamos após as 20h,as brigas provocadas, com o desejo, em seguida,de beijá-la e dá-la um abraço,como amigos que realmente éramos.

Amigos e amantes para sempre, não havia mais. Compartilhar, apenas com a solidão. Elaborar luto, negro futuro. Respirar fundo. Enxugar lágrimas e não pôr nas basuras da vida qualquer resquício de que ela existiu.  Não foi horrível meu sentimento, não senti raiva porque sofri e passaram-se cinco anos com uma cicatriz que olho e sorrio. Cicatriz boa, penso. Cicatrizes servem para dizer que tivemos um passado e este passado foi generoso comigo.

Com tanto orgulho gostaria de dizer a ela, o ”obrigado” por me fazer sentir mais humano! E dá-la um abraço, mas agora não  como amigos x amantes, apesar de meu coração não ter, ate agora, proprietária porque é um esbulho total.

                                                                                                                                                      Raphael Marques

quarta-feira, julho 14, 2010

O cheiro da morte


O sentido que sempre me foi mais aguçado é o olfato. É só eu sentir o cheiro de algo que me transporto para onde o aroma me leva: infância, festa, lugares, acontecimentos, amores...

Eu me lembro bem do dia em que a ladra do fôlego de vida impregnou em minhas narinas e, por mais que eu tente esquecer, sempre que uma brisa bate em meu rosto, sinto o cheiro desta velha companheira de todos os seres vivos – A morte.

Era domingo, dia das mães. Eu tinha uns 16 anos. Fazia um calor que não chegava a incomodar. Estávamos nos preparando para um almoço em família, onde iríamos reunir 4 gerações de nossa família.

Foi então que recebemos a notícia: Fulano, filho de Beltrana, havia se matado na noite anterior com um tiro na têmpora.

E segue o cortejo para a casa de Beltrana, que recebeu este “presente” no dia das mães. Enquanto minhas primas, que conheciam melhor a família do morto foram dar os pêsames e tentar ser útil em meio aquele caos, eu fiquei na varanda, onde o corpo estava sendo velado.

Nunca gostei de funerais, acho muito estranho todo esse ritual de ficar olhando um corpo vazio de alma ali, posicionado com mãos cruzadas no ventre sendo observado tanto por conhecidos como por curiosos.

Naquelas condições ficar observando um cadáver é ainda mais doloroso para a família, porque sempre tem aquele enxerido que quer chegar mais perto a fim de ver por onde a bala entrou na têmpora e para isso, retiravam cuidadosamente por alguns instantes o véu de cima da cara do morto indefeso.

Eu via tudo aquilo calada, estava hipnotizada. Não conseguia retirar meus olhos do jovem ali sem vida, fiquei por alguns bons minutos a uma distância confortável, mas de onde eu estava, dava pra ver suas mãos esbranquiçadas, com os dedos longos já arroxeados perto da unha. As mãos de um morto são uma das coisas que mais me atemoriza.

Foi aí que aconteceu! No momento em que estava absorta nas mãos do defunto, que senti aquele cheiro. No mesmo instante minhas pupilas dilataram, procurando o incontrável. Inspirei profundamente para detectar de onde vinha o cheiro que me arrepiou a espinha e só pude pensar naquele moço que na noite anterior, dera cabo da própria vida.

Mais alguns minutos se passaram e novamente o cheiro da morte. Era enjoativo, meio adocicado, um aroma de tarde nublada, com prenúncio de tempestade.

Eu estava sufocando, saí de perto do caixão e me encostei num muro. Fechei os olhos e tentei apagar de minha memória olfativa aquele cheiro que me remetia a uma tumba fria e sem o hálito do prazer de estar viva.

Na ânsia de esquecer, o cheiro tornou-se mais forte. Vinha de todos os lados, encurralando-me contra a parede, fazendo-me sufocar tamanho era o peso daquele odor sem sentido, sem chão, sem glória, sem futuro.

Eu sabia que ninguém mais sentia o mesmo cheiro que eu estava sentindo. Essas coisas são pessoais, não se pode passar de pessoa pra pessoa. A minha consciência dizia que aquele cheiro não vinha do jovem que decidiu por não viver.

O cheiro da morte veio de minha associação ao ver o cadáver e dos perfumes que passavam por mim cada vez que um vivo se aproximava.

Desde então suplico a meu próprio sentido aguçado que não busque mais sentir este cheiro, mas o meu nariz me prega peças e dia desses ao passar embaixo de um viaduto, o cheiro me perseguiu e eu, desconfiada, olhei para o céu a fim de encontrar algum sinal que prenunciasse algum desligamento de almas na Terra.

Sorri da minha idiotice. Afinal, tenho memória olfativa, não mediunidade.

Por Lini Ribeiro

terça-feira, julho 13, 2010

My best souvenir


Ao som de Antony and the Johnsons, “Man is the baby


...Foi como se num repente do destino o meu coração cansasse de bater dentro de mim e, indo em sua direção, quisesse encontrar abrigo no seu peito, mais calmo e forte que o meu. Pedia proteção, talvez, alguém que o cuidasse de maneira melhor que eu. Desnorteado de hematomas físicos e íntimos, arranquei-o gradativamente e entreguei a você, e mesmo se isso não acontecesse, de alguma forma, eu estaria em suas mãos, na ponta dos dedos, como um cigarro, sendo devorado sutilmente, entrando pela sua boca e atingindo os seus pulmões, saindo pelas suas narinas. Eu estaria na sua casa, grande e vazia, a ocupar cada cômodo com minha presença. Eu estaria entre suas pernas, nu, como nasci, a perceber que eu preciso é de carinho e sentimento de entrega. Onde estou, recostado em seu peito, pairo ileso, sonhando em ser plural nesse mundo tão singular.

Por Júnior Creed
@juniorcreed

segunda-feira, julho 12, 2010

Está Bem?

"- Você terá que sorrir mais nas fotos.
- Por que fingir que estou feliz?
- É assim que se faz. Se tirarem uma foto, você sorri. Não importa se está feliz. Você apenas sorri para se adaptar.
- Está bem?
- Está bem."
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tenho muitas famas. conheço algumas delas e menciono duas aqui: dizem que fui achado na lata do lixo. eu rio. esta em consequência dessa outra: dizem, sou do contra. eu rio.
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nem sempre foi assim. nunca gostei de sorrir. sempre achei meu sorriso feio. sempre achei meu sorriso falso. mas, eis que uma pessoa disse que meu sorriso era bonito e, então, dei de andar rindo nas fotos. a vaidade falou mais alto, apesar de dizerem que o meu cartão de visitas para o convívio interpessoal (?) era falso também.
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de fato, meu sorriso foi falso mesmo. se sorri foi pra me encaixar de alguma forma num meio que não necessariamente seria onde estaria bem. para fazer parte da rodinha que se acha cool, para não viver sozinho demais no sertão paraibano, ou postar fotos no orkut fazendo trejeitos bem anos 90 (o que até hoje, apesar de estar neste rol dos que postam, não parei de achar brega).
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é que não fujo do estranho mundo dos seres humanos, sabe?! precisamos viver, criar todos laços de amizade, de bom companheirismo, amar os outros como se não houvesse amanhã (bullshit), apertar a mão, abraçar, beijar, namorar, casar, morrer. enfim, sorri e correr sempre atrás da felicidade, por conta de uma coisa chamada coercitividade da qual dificilmente podemos fugir.
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todavia, se senti dor, sorri. de saudades, sorri. cansado, chateado, preocupado, com tantas provas na faculdade por fazer, trabalhos com prazo pra entregar, sorri. se cantei lady gaga, sorri. se escutei forró, sorri. se fui prum show de forró, sorri. quando não fui eu mesmo, sorri.
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rindo sempre o meu riso mais cínico, benquisto alhure, perdido pra mim, ferido demais, escondendo sinais.
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de tantas poses fakes, é certo que fingi. e fingi muito bem na hora de rir. afinal, ao menos meu sorriso saiu bonito (?), o que é difícil quando se finge. menti enquanto supuseram que eu estava feliz. (who cares?!)
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no entanto, a ironia: nas horas mais felizes, não sorri. ensaiei a cara amarrada e me escondi atrás da cara de vilão. fiz-me valente. não fui de nada. e foi só um jeito que escolhi, como na música, para viver na pior. quem riu?! não preciso nem responder, né?!
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brinquei com os espelhos. espalhei sorrisos. se finjo ou não finjo, agora eu não sei. ou finjo que não sei. e no mais, todo mundo faz planos, procura dar um sentido a vida...

Mateus.

quinta-feira, julho 08, 2010

Te extrãno


Imagem: 1000 imagens




Uma manhã vulgar de domingo, acorda, suas mãos espalmadas circunda a cama e à procura de algo, um corpo. É de casal, pensa. Estou em uma cama de casal e é minha. Um vazio disfarçado de pano branco, lençóis, que encontra. Boca seca com gosto amargo, não tão amargo como a sensação futura, mas o suficiente para contrair em desgosto o semblante. Acidez ruim típica de ressaca intensa. Não há ninguém além dele e mesmo se tivesse não seria ela. Ela, a mulher nua, que vez ou outra, acorda com ele e - nos primeiros minutos conscientes - não se apresenta, não fala, não sorri, não sussurra quanta crueldade de alguém que se imagina amar. A solidão assola, às vezes, pela manhã, não há hora. Quanto sôfrego! Uma vez foi em sonho, enquanto dormia o mais difícil de acontecer, final de tarde é comum. Nesta manhã vulgar ocorreu mais um vez, ela chegou. E  fechou os olhos, assim sonha sem dormir, anestesia, porque a solidão traz seu sonho preferido:ela. Ela somente para ele, o momento esperado da semana, seu descanso carnal. Procurava suas mãos, encontrava novamente pano, depois insistia e encontrava suas mãos. Apertava-lhes.Era o seu bom dia. Ela o recebia com palavras "Bueno... Meu Amor, como te extraño!". Ele amava esse sotaque castelhano; ele amava sonhar, porque quem sonha é corajoso e ele tinha coragem em querer ouvir em castelhano o "te extraño". Saudades é um substantivo perigoso, dizia, imperativo, não á toa não traduzido em outras línguas. Chovia lá fora e a atmosfera melancólica já compartilhada e alguns minutos de silêncio, um afago forte, como se fossem únicos, a mitose dilacerada. Agradável existência essa do homem que sonha. Os olhos dela castanhos, negros, verdes em direção aos dele hipnotizava-os pela doçura e o encanto. Ele dizia que era o instante feliz, mas sério, taciturno. Em seguida pôs suas mãos em direção ao ventre dela e enfiou-lhe os dedos, o indicador e o médio, sem pedir licença. Alguns segundos, sentia a parca umidade, a mucosa sempre receptiva, quando tirou os dedos eles já mais molhados que umedecidos. Sentiu o aroma, sua flor preferida cujo aroma desejava todos os dias. Ambos sorriam, ambos se possuíam com gracejos e olhares, das palavras pouco se expressavam. 10:00h.Despertador toca. Abre os olhos, com preguiça, engole a saliva acre. Ciente de que aquela mulher que sonhara há pouco não existia, não havia rosto, olhou novamente os seus dedos com uma melancolia aborrecida. Só aroma de tabaco. Era uma manhã vulgar de domingo e restava-lhe, não mais os  sonhos matinais, mas  agora sua companheira habitual, a  solidão, sua esmera amiga, até o fim do dia.

quarta-feira, julho 07, 2010

Meio Marilyn Monroe


Nada me preenche, bebo para esquecer, durmo sob efeito de drogas para anestesiar meus sentimentos por algumas horas.
Quando acordo, preciso de alguns miligramas mortais de felicidade falsa nas veias para sentir o prazer de estar viva [ainda].
O largo e iluminado sorriso é apenas meu sepulcro caiado. Por dentro estou apodrecendo, mas ninguém vê, ou finge que não vê.
Amo tanto a vida que a quero minha intensamente, e nessa inquietude meus sentimentos se confundem, já não sei separar a dor do prazer, o sono do despertar e a solidão do companheirismo.
Quando perceber que morri, estarei velando meu próprio corpo no caixão e irei sucumbir frente à minha própria imagem vazia de alma, mas com as marcas de quem tinha tanta vida, que se perdeu na caminhada.

Inspiração: A vida secreta de Marilyn Monroe de J.Randy Taraborrelli

Por Line Ribeiro

terça-feira, julho 06, 2010

Saturno em Aquário



                                                              “... No presente a mente, o corpo é diferente
                                                                              E o passado é uma roupa que não nos serve mais...”
                                                                                          (Velha roupa colorida, Belchior)



Você se sente tão mau depois de fazer aquelas coisas, depois de trocar fluidos corporais e tomar antidepressivos para o sono vir mais rápido e evitar cafeína para não ativar o corpo, a mente, a adrenalina, você se perde no meio de coisas pérfidas, pensamentos confusos, barulho de relógio, fumaça de cigarro. Você não pára mais em casa, porque a casa é grande e as paredes emitem diversos barulhos, xingamentos, e você não quer ouvir nada, senão buzinas de carros apressados, conversas de estranhos em bares da esquina, copo caindo, copo quebrando, corações dilacerados, o cotidiano amarelo-manga que passa e ninguém sente, que passa dormente, meio-dia, meio morfina, meio xilocaína, meio antibiótico, meio água oxigenada, meio soda cáustica, meio gripe, meio tosse, meio solidão, meio cochilo no sofá e resto de comida, meio formiga no bolo de manhã cedo, passos que seguem outros passos em qualquer banheiro sujo, uma vista para um mar parado, um barco destruído, sem vento, sem pássaros, sem maré, sem dó, sem ré, sem mi, sem mim.



                                                                                             Por Júnior Creed
                                                                                                 @juniorcreed

quinta-feira, julho 01, 2010

De Sabor e Instantes

"Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe."

Oscar Wilde





Um piscar de olhos pode fazer com que percamos aquele instante que alguns temem e outros perseguem como um ávido caçador, em uma espera árdua, à procura da caça. Refiro-me aqui ao sentimento que move o mundo. Não. Não é a economia, deixo isto para os materialistas de plantão. O sentimento a que me refiro é aquele instante “frio na barriga” que todos nós, humanos, sentimos. E como humano erramos feito animal por desperdiçar estes instantes. A gente acredita que o amanhã sempre existirá. Mas e este instante quando aproveitá-lo? Alguns responderiam que não é para amanhã; outros, hoje. Hoje sempre, infinitamente antes que o dia acabe. Eis aqui um adepto do hoje afinal preza o hedonismo; mas sou do hoje também porque desde seis anos, todos os dias eu me sinto um apaixonado. Não há um dia que acorde ou vá dormir sem suspirar com olhos fechados pensando nos lábios de uma mulher. Porque o maior prazer da vida é amar com o pacote completo, incluso os dissabores e amarguras. Tememos sempre focarmos nas agruras e dispersamos no que é vital: o amor. Que mal há na amargura - não a expiação cristã - além da careta e a dor que nos faz alimentar a alma? Li um dia que a doçura, como comportamento, em demasia cria tédio, enjôo. Penso que muitas vezes fui a náusea de alguém, mas não peço desculpas por isto, pediria desculpas se fosse o próprio vômito. Talvez este equilíbrio, entre o amargor e o doce, venha a valorizar estes instantes sobrenaturais que o amor nos faz sentir, apesar do medo imperar de sofrer. Viver com neutralidade é para quem vive o insosso.


Por Raphael Marques