Pôr do sol, as árvores balouçando no quintal, aquele barulho que se confude com o barulho das águas vindas do céu. Ele conversa e conta histórias. Ela toca violão. Ele trabalha e relembra tempos mais antigos, outras cidades, bairros, caminhos. Ela sorri, pensa e toca. Nossos olhares encontram-se, cheios de cumplicidades. Eu observo silenciosa. Penso na riqueza que há em estar nesse quintal cheio de mangueiras e jaqueiras, a maresia, o bairro que se chama dendê, os nossos sorrisos, cai a tarde que é sem fim, essa hora do dia que me traz tanta paz, tantas lembranças, e tanta lucidez, e tantas esperanças. (Só tenho a agradecer.)
segunda-feira, dezembro 19, 2016
quinta-feira, setembro 01, 2016
Silêncio
Pupilas dilatadas,
alguém disse alto. Eu ouvi do quintal. Não entendi muito bem, pensei em drogas
ilícitas. Mas isso era amor, o êxtase da paixão, o olhar sob o olhar do objeto
de desejo que não o desejava. Senti o cheiro do cigarro de longe, agora sim, e vi
uma pontinha de luz em meio aquele breu apocalíptico que pairou sobre a
situação, sentei ao seu lado e a nossa conversa era apenas o diálogo de nossas
respirações. A sua, calma, em contraste com a minha ofegante.
segunda-feira, agosto 15, 2016
Mesmo por amor
Mesmo por amor. Palavras complicadas. Um gole de café, amargo e quente. Mais amargo que quente, mas penso que a vida é assim mesmo, uma mistura de amargor, com um gosto doce no final. Mas há quem diga, que sem o amargo o doce não pode ser tão doce. E eu acredito, aproveitando assim um pouco mais do sabor das coisas, sabendo que então, tudo melhora uma hora dessas qualquer, quando a gente deixa de vigiar o coração e sente-o apenas bater. compassado e calmo, como deve ser.
sexta-feira, julho 15, 2016
Futuros Amantes
"Eu tava mexendo no violão, começando a fazer a melodia, e a primeira imagem que apareceu foi exatamente esta: uma cidade submersa, isolada de tudo. Porque, cantarolando, parecia que a música queria dizer isso. Eu tinha que ir atrás da explicação dessa cidade submersa. Aí eu coloquei os escafandristas, e surgiu a história de um amor adiado, um amor que fica para sempre. Essa idéia do amor como algo que pode ser aproveitado mais tarde, que não se desperdiça. Passa-se o tempo, passam-se milênios, e aquele amor ficará até debaixo d’água. Um amor que vai ser usado por outras pessoas, um amor que não foi utilizado porque não foi correspondido, e então ele fica ímpar, pairando… Esperando que alguém o apanhe e complete a sua função de amor."
Sábios em vão tentarão decifrar o eco de antigas palavras, fragmentos de caras, poemas, mentiras, retratos: vestígios de estranha civilização.
Retirado daqui.
domingo, maio 08, 2016
Um gosto remoto das pitangas
No mesmo momento que os acordes
do piano começaram a se repetir frenéticos, sem medo algum nossas bocas abertas
se procuraram. Houve nas línguas um gosto remoto das pitangas que colhíamos no
caminho para o rio, depois o fresco abraço das águas envolvendo nossos membros,
as gotas das lágrimas que eu bebia uma por uma ganhando lentas o mesmo gosto
claro das pedras mergulhadas na sombra, poças de sol entre as quais brotava vez
que outra uma descuidada flor amarela onde pousavam borboletas, essas de asas
azuis transparentes, debruadas de ouro, então emergiríamos da água doce
abençoados por ninfas e devas pisando descalços na terra quente de sol para
subir a encosta cheia de espinhos até a cerca de arame farpado separando o
abismo do caminho cercado de hibiscos que conduzia à casa de portas e janelas
todos os dias escancaradas, porque era para sempre verão, em torno da qual
nunca houvera nem haveria cães furiosos, latidos transformados nesse gosto
vermelho de pitangas, salivas misturadas, quase negras de tão maduras. Quis
dizer a ele que voltariam as manhãs, ainda mais claras agora que estávamos
juntos, voltariam sim as claridades, o calor das tardes sobre a terra coberta
de verde e também os crepúsculos de nuvens roxas e rosadas colorindo o cume dos
montes, e mais tarde as noites embaladas por flautas, cetins, brisas com cheiro
de mato varando as frestas das vidraças, se não para sempre, acho que disse,
por muito tempo, por tanto tempo, tão longo, tão fundo, que será como para
sempre, Ricardo, como se finalmente disparasse minha seta incendiada em direção
às estrelas, trazendo-te junto comigo, porque brilharemos ambos de fogo, mais
que o teu sol, a caminho dos meus inúmeros satélites girando no infinito.
Caio Fernando Abreu – Triângulo das
águas
segunda-feira, julho 06, 2015
domingo, abril 26, 2015
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