Como naquela tarde fria do primeiro dia de Agosto, eu ouvi acordes de uma canção antiga e fingi rir, tamanha surpresa pela lembrança e pressenti a chegada, ainda que tardia, daquilo que não sentia desde a última decepção. Por favor, entenda: não é tão fácil viver alheio às sensações, mas a gente blinda o coração, devagar, mediante sucessivas contrariedades, ainda que comuns aos olhares dos outros. E vai perdendo um pouco a graça da entrega, da espera, dos carinhos, fica mais duro, resiste às tentações, não capta a energia, simplesmente se afasta duvidando da veracidade das coisas e, quiçá, dos sentimentos.
E me dou conta, aos berros, que ainda sou aquele menino frágil que sorri com a mão na boca para se esconder da felicidade, espectro de luas imaginárias, clandestinas impossibilidades, pedindo, por favor, não me deixe sozinho, principalmente à noite, quando as coisas tomam uma dimensão oceânica e eu perco o sono fácil.
Rasguei todas as cartas de amor, joguei fora as fotos, queimei com álcool etílico todo e qualquer vestígio do passado. Busco um recomeço, à paisana, nu e cru, para um desvario estético, quem sabe, mas que desperte a capacidade de me reencantar, de fazer brilhar, de sentir que há luz e faíscas, que há vida lá fora...